Links da quarentena: a bronca de Svetlana e o romance que previu a pandemia

Links da quarentena: a bronca de Svetlana e o romance que previu a pandemia

Toda sexta-feira, a serrote indica uma seleção de links sobre o mundo em tempos de pandemia.

Nesta edição, a escritora bielorrussa Svetlana Aleksiévitch diz que seu país vive uma catástrofe por causa de um presidente que desdenha da covid-19, e o jornalista americano Lawrence Wright lança um romance sobre um vírus devastador que provoca confinamento global.  

E mais: a edição online do tradicional Hay Festival, o futuro de escritórios e banheiros públicos, e um projeto insólito da genial cartunista Maira Kalman.

Esta seção é parte da série #IMSquarentena, com ensaios do acervo, colaborações inéditas e indicações de leitura. 

A escritora Svetlana Aleksiévitch na Flip, em 2016

Um presidente bruto e autoritário desdenha da pandemia, diz que a covid-19 é só uma gripe e incentiva os cidadãos a saírem de casa para retomar as atividades normais, inclusive o comércio e o esporte. Soa familiar? Pois é o que acontece na Bielorrússia, onde o ditador Aleksandr Lukashenko, no poder desde 1994, já afirmou que “o vírus não existe”, apesar dos mais de 20 mil casos e 120 mortes registradas no país, recomendou vodca e sauna como tratamento, e fez questão de não interromper os populares campeonatos de futebol e hóquei de gelo. Por tudo isso, e muito mais, a escritora Svetlana Aleksiévitch, que vive em Minsk, capital bielorrussa, se mostra furiosa com Lukashenko e seus apoiadores nesta entrevista: “Nossa sociedade é como alguém que está dormindo e não consegue despertar porque perdeu o funcionamento dos músculos e do cérebro”. Para este sábado, dia 9, há uma catástrofe anunciada: o presidente convocou a população a festejar nas ruas o aniversário de 75 anos do fim da guerra com a Alemanha nazista. “Vivemos uma situação ao estilo de Tchernóbil”, diz a ganhadora do Nobel, autora do mais brutal relato sobre o maior acidente nuclear de todos os tempos.

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Lawrence Wright deve ser o único escritor do mundo a ver um lado bom na covid-19. The end of October chegou às livrarias americanas em 28 de abril e, como observa Laura Miller na Slate, seria apenas mais um thriller se não tivesse como protagonista um vírus altamente letal num cenário de populações isoladas, hospitais saturados e teorias da conspiração. Jornalista de primeira, com um Pulitzer no currículo por A sombra das torres, megareportagem sobre as origens da Al Qaeda, Wright amparou-se em pesquisas e, em meados de 2019, quando entregou os originais, pensava ter escrito apenas um “grito de alerta” sobre alguns prognósticos de cientistas. “Quando abro o jornal parece que estou lendo meu próprio livro. É bizarro”, disse ele ao Guardian.

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Todos os anos, em maio, a simpática cidadezinha galesa de Hay-on-Wye, com 1.500 moradores, recebe mais de 200 mil visitantes para uma das maiores e mais tradicionais festas literárias do mundo, o Hay Festival. Com as aglomerações vetadas, Hay precisou se reinventar: o festival deste ano, que acontece entre os dias 18 e 31 deste mês, será inteiramente on-line e gratuito. O programa tem a variedade de sempre: Margaret Atwood e Benedict Cumberbatch celebram os 250 anos de Wordsworth, Paul Krugman debate a economia global na pandemia, Hilary Mantel lança seu novo romance, e artistas de várias áreas se apresentam, como a atriz Helena Bonham Carter, o guitarrista David Gilmour e o bailarino Fernando Montaño. Desde sua criação, em 1988, o festival britânico inspirou inúmeros eventos ao redor do mundo, como a Festa Literária Internacional de Paraty. Será que Hay vai lançar moda outra vez?

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Quando pensa no futuro, o mundo quarentemado não esquece seu passado. E aos poucos, especula, nos mínimos detalhes, como será a dinâmica do que já é chamado de “novo normal”. Na 1843, revista editada pela The Economist, Catherine Nixey lembra as origens do escritório, no século 19, e suas poucas chances de sobrevivência como local de trabalho privilegiado nos próximos anos. Burocrata da East India Company, Charles Lamb reclamava, em 1822, de “viver entre a sepultura e a mesa de trabalho” – que para ele davam no mesmo. Mas a ruptura não é fácil e, diferentemente do ensaísta, há quem sinta falta do cafezinho e de reuniões cara-a-cara, longe das cabeças falantes do Zoom. Mas nem só de convívio é feita a vida e uma reportagem na Slate lembra que o mundo não pode voltar a funcionar plenamente sem que os banheiros públicos tornem-se confiáveis. Do metrô ao cinema, trata-se de aplicar novos padrões de higiene e, também, de segurança ao recesso de um ambiente pouco privilegiado por arquitetos e de presença episódica em debates sobre as cidades. “Freud, caquinha, não é preciso pensar muito para saber de onde vem a ansiedade”, diz o sociólogo Harvey Molotch, especialista no assunto, em entrevista ao repórter Henry Grabar.

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Cozinhar, costurar, manter as pessoas à distância e, entre uma coisa e outra, ler e tirar uma soneca: esses são os conselhos de Alice B. Toklas para nossos pandêmicos tempos. O fato de a companheira de Gertrude Stein ter morrido há 53 anos é um mero detalhe que a genial Maira Kalman trata de contornar encarnando-a em vídeo e áudio gravados para o Jewish Museum. A artista gráfica, que já até desenhou um serrote exclusivamente para o número 5 de nossa revista, acaba de publicar sua versão ilustrada para A autobiografia de Alice B. Toklas e, devidamente caracterizada, com direito a nariz postiço e pesada maquiagem, canta, dança pelas ruas de Nova York, passeia no Central Park e, no Metropolitan Museum, visita sem reverência o retrato cubista de Gertrude Stein. “Picasso era um idiota”, diz ela.

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