Links da quarentena: a live de Atwood, o silêncio do jazz e o alerta de Krenak

Links da quarentena: a live de Atwood, o silêncio do jazz e o alerta de Krenak

Toda sexta-feira, a serrote indica textos sobre a pandemia publicados ao longo da semana no Brasil e no mundo. Nesta edição, um festival virtual com a participação de Margaret Atwood, uma ode aos clubes de jazz afetados pela quarentena, um ensaio de Ailton Krenak sobre a humanidade diante do coronavírus, uma defesa dos trabalhadores essenciais e uma provocação sobre a indelicadeza da morte.

Esta seção é parte da série #IMSquarentena, com ensaios do acervo, colaborações inéditas e uma seleção de textos que ajudem a refletir sobre o mundo em tempos de pandemia. 

A escritora Margaret Atwood fala de sua casa para o Jaipur Lit Fest

Criadora do romance distópico O conto da aia, a canadense Margaret Atwood foi uma pioneira do distanciamento social no meio literário. Em 2006, ela lançou a LongPen, engenhoca que permite ao escritor autografar livros sem sair de casa. A moda não pegou, mas, desde o início da quarentena, Atwood tem dado um jeito de manter contato com o público em isolamento. No início de abril, ajudou o governo canadense a promover uma plataforma para lançamento virtual de livros. Na quarta-feira, dia 22, participou de uma edição online do Jaipur Lit Fest, tradicional festival literário indiano. Na entrevista, que você pode ver no vídeo abaixo, Atwood discutiu sua obra e imaginou o mundo pós-pandemia: “As pessoas falam em ‘voltar à normalidade’, mas o tempo flui em apenas uma direção. Vamos ter que repensar nosso modo de vida”. No site do festival é possível assistir a outras mesas da programação, que tem convidados como a jornalista Anne Applebaum, o historiador Simon Schama e a escritora Jumpa Lahiri.

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Entregadores, lixeiros, motoristas e outros profissionais com quem sempre contamos não só deixam a invisibilidade como ganham protagonismo em tempos de covid-19. O fenômeno não é nada desprezível aos olhos da socióloga Aurélie Jeantet, que em breve artigo no Libération sugere rever salários e as formas de reconhecimento social destes profissionais no momento em que “experimentamos coletivamente nossa vulnerabilidade e nossa interdependência”.

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O Village Vanguard, instituição do jazz em Nova York, está fechado desde 15 de março – e, segundo Deborah Gordon, que toca o cafofo criado em 1935 pelo pai, Max, pode não voltar a abrir. Numa época em que clubes de jazz se parecem com assépticos restaurantes, o Vanguard, que funciona há 85 anos no mesmo lugar, é um subsolo em que o público se empilha em pequenas mesas a poucos metros dos músicos. Ou seja, tem tudo para se tornar inviável num mundo que, ao que parece, será para sempre assombrado por vírus insidiosos. Mais do que o destino do palco onde tocaram John Coltrane, Thelonious Monk, Charlie Mingus e muitos outros, observa ela em entrevista ao ótimo Jewish Insider, está em jogo toda uma ideia, de valor inestimável, de música e cultura.

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Nos anos 200 antes de Cristo, Epicuro recomendava que não se perdesse tempo pensando na morte. Mas, se fosse nosso contemporâneo, certamente perderia um bom tempo lavando as mãos e ajustando a máscara antes de sair de casa. “O homem era filósofo, mas não era bobo”, escreve Joseph Epstein num erudito e levemente rabugento ensaio para a National Review. Irritado com o isolamento social e os cuidados de proteção – “quem inventar uma camisinha de corpo inteiro vai ficar milionário” – destila seu veneno acompanhado de deliciosas citações de Montaigne e Henry James, Pascal e Tolstói sobre a indesejada das gentes. Para Turguêniev, lembra Epstein, a morte é uma “piada manjada” que parecemos ouvir pela primeira vez.

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Desde que a pandemia chegou ao Brasil, o líder indígena Ailton Krenak tem sido muito solicitado para entrevistas (como esta ou esta). De sua aldeia no vale do rio Doce, no interior de Minas Gerais,  ele aponta um dos efeitos colaterais do coronavírus: expor os absurdos já naturalizados na rotina das grandes cidades e nas engrenagens da economia global. As reflexões de Krenak foram condensadas em O amanhã não está à venda, ensaio breve e incisivo composto a partir de três entrevistas recentes e distribuído gratuitamente pela Companhia das Letras: “Se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados da ruptura ou da extinção do sentido da nossa vida, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda. Essa dor talvez ajude as pessoas a responder se somos de fato uma humanidade.”

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