A arte que não precisa ser lida ou vista – por Alice Sant’Anna

A arte que não precisa ser lida ou vista

POR ALICE SANT’ANNA

 

Para Kenneth Goldsmith, bloqueio criativo é uma desculpa esfarrapada. No ensaio “Processos infalíveis”, publicado na serrote #13, o criador da UbuWeb defende que a partir do século 20 a arte conceitual passou a ensinar para a literatura que autoria não necessariamente legitima o artista. Depois dos ready-mades de Duchamp, palavras como “processo”, “trabalho” e “gênio” caíram por terra.

Provas disso são Sol LeWitt, que produzia esquemas matemáticos, receitas geométricas que deveriam ser executadas por outras pessoas, e Andy Warhol, que procurava transformar seus quadros, livros e filmes em obras mecânicas. Quanto menos humano, propenso a falhas e borrões, melhor. Warhol e LeWitt foram extremamente criativos em seus métodos que, de propósito, não eram nada criativos.

No recente artigo “In theory: the unread and the unreadable”, do The Guardian, Andrew Gallix escreve que medimos nossas vidas pelos livros que não lemos. Ele compara a vida a uma estante de livros que pretendemos ler, mas que, por diversos motivos, ainda não tivemos a chance. Longe dessa ansiedade, no entanto, estão os livros que não lemos por dois motivos: 1) são um fracasso atroz e 2) não foram feitos para ser lidos.

Sobre a primeira categoria, ele indica alguns links. Failure, A Writer’s Life, de Joe Milutis, é um “catálogo de monstruosidades literárias”. Já o livro Invisible Ink, de Christopher Fowler, aponta 100 grandes autores que desapareceram. Enquanto isso, o site “The New Inquiry” desfia curtas biografias de autores (justa ou injustamente) desconhecidos. E há vários outros: “Unjustly Unread”, “The Neglected Books Page”, “Writers No One Reads” e, finalmente, “The Biographical Dictionary of Literary Failure”.

Kenneth Goldsmith é apontado, no segundo conjunto, como autor de obras que não precisam ser lidas. Em 2005, ele lançou o livro The Weather, que, no melhor estilo dadaísta, reproduz os resumos meteorológicos dia após dia. Em linhas gerais, o poeta americano afirma que, se a arte conceitual é possível, a escrita conceitual também deve ser. E por isso é justo que um livro não precise ser lido de cabo a rabo.

 

 

Há outro exemplo de escrita automatizada, desta vez comentado por Goldsmith em “Processos infalíveis”: os Diários de Andy Warhol, publicados no Brasil em dois volumes pela LPM. A obra enumera nomes de celebridades, numa espécie de índice de quem era “alguém” na época. O que importa, explica Goldsmith, não é ser fiel à realidade (não se trata de uma autobiografia) nem ter um ritmo fluido, agradável de ler. Isso é detalhe. A ideia é que o leitor passe os olhos por um “turbilhão de glamour”, e isso basta.

 

 

Gallix parte de Mallarmé e Blanchot para concluir que a linguística levou a negação às últimas consequências. Quando o autor decide negar o objeto real, que seria a matéria-prima da escrita, o que sobra é o conceito. De modo que, ao substituir o objeto em si, o conceito se torna o elemento original do artista. A palavra, explica Gallix, passa a se referir a outra palavra, num ciclo que se alimenta em moto-contínuo.

É o que decreta Goldsmith: “A falta de narrativa permite que a mente devaneie para longe da obra de arte, que era a maneira de Warhol levar o espectador para fora da obra de arte e para dentro da vida”.

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