Desentendimento – “A arte brasileira vale o quanto custa?”

“A arte brasileira vale o quanto custa?” – Heitor Reis e Paulo Sergio Duarte

O sétimo encontro da série “Desentendimento” trata da crescente valorização da arte brasileira no mercado internacional, com trabalhos de nomes como Adriana Varejão e Beatriz Milhazes chegando às casas de US$ 1 milhão e US$ 2 milhões. “A arte brasileira vale o quanto custa?” é a pergunta que move o debate entre o crítico e professor de arte Paulo Sergio Duarte e, falando como conhecedor do mercado, o curador do fundo de investimentos Brazil Golden Art, Heitor Reis. A mediação é do crítico Luiz Camillo Osorio, curador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

 

Bloco 1: “Nós não somos o mercado. Fazemos parte do mercado”

Depois da introdução de Luiz Camillo, Heitor Reis recorda sua longa trajetória à frente do Museu de Arte Moderna da Bahia e como migrou, recentemente, para o trabalho junto a colecionadores e investidores, participando ativamente de algo que antes praticamente desconhecia: a “precificação”, como chama, das obras. Ele diz hoje estar certo de que o mercado contribui muito para a melhora do panorama da arte brasileira.

 

 

Bloco 2: “Na média, a arte brasileira ainda está abaixo do seu valor real”

Paulo Sergio Duarte ressalta que artistas que deram e outros que continuam dando contribuições decisivas à arte contemporânea do mundo ainda têm trabalhos sendo vendidos por preços muito abaixo daqueles feitos por nomes de outros países. Isso indica que a valorização da produção nacional ainda crescerá. Segundo ele, casos como os de Adriana Varejão e Beatriz Milhazes são picos, não a regra. O crítico diz que investir em arte é assunto para especialistas, não para quem, como ele mesmo, deseja apenas ter a companhia de boas obras. Mas aponta como esse pode ser um investimento seguro se comparado, por exemplo, a comprar carros.

 

 

Bloco 3: “Tudo começa como movimento cultural”

Contrapondo-se à fala anterior de Paulo Sergio, Heitor afirma que a crítica também está por trás dos preços que o mercado estabelece. Ao contrário do que acontece no mercado financeiro, em que qualquer boato pode produzir fortes oscilações, na arte os valores crescem após muitos anos de exposições, reflexões e consolidações de movimentos. Os artistas em alta raramente são modas passageiras, e sim fruto de anos de trabalho e de atenção dos críticos.

Paulo Sergio diz que, se por acaso vai à residência de um milionário como os que estacionam carros de R$ 500 mil diante de restaurantes de São Paulo, não sente desejo de ter nem um cinzeiro da pessoa, muito menos algum quadro que esteja na parede. No entanto, o carro se desvalorizará muito antes de uma boa obra de arte.

 

 

Bloco 4: “Há 40 anos, o coração carmim de Jeff Koons parecia decoração de loja de chocolate para Dia dos Namorados”

Segundo Paulo Sergio, a arte está totalmente inserida na lógica de consumo que marca o mundo atual. Essa mudança de estatuto democratizou o acesso e alterou o modo de fruição, em que a contemplação solitária apenas é possível para quem tem muitos recursos para ter obras em casa. “Antes eu ficava uma hora na sala do Mark Rothko na Tate, em Londres. Agora eu fico cinco minutos e passam 60 pessoas na minha frente”, constata o crítico. Nesse contexto, há artistas que trabalham explicitamente para ser grifes, caso do americano Jeff Koons, que fotografou suas relações sexuais com a atriz pornô Cicciolina. E outros que viram grifes à revelia, por causa das apostas do mercado, como aconteceu com Adriana Varejão e Beatriz Milhazes.

Heitor ressalta que a arte brasileira valorizou mesmo após a crise internacional de 2008. E que hoje, em qualquer lugar, é muito mais charmoso ter um quadro do que um carro de luxo. Especialmente com a ascensão das mulheres no campo profissional, a arte se tornou objeto de desejo e sinal de status, glamour.

 

 

Bloco 5: “Por causa dos preços do mercado, a tendência é o circuito da arte ficar insustentável”

Luiz Camillo alerta que a alta valorização de obras de arte produz um efeito colateral perverso: preços de transporte, de seguros e de tudo o que envolve a exposição de um trabalho vêm subindo muito, por imposição do mercado, que quer se proteger. O resultado é que obras importantes ficam nas casas dos colecionadores e não circulam, não chegam a um público maior. “Vamos acabar expondo muita coisa ruim”, teme o crítico.

Paulo Sergio diz que há uma demanda reprimida nas negociações de arte no Brasil, pois as instituições públicas não têm política de compra de obras e de formação de acervo. Ele atribui a culpa a uma elite política que é “obscurantista, não é inteligente, é estúpida”. Um artista que está se firmando hoje e, portanto, tem preços acessíveis para que seus trabalhos sejam adquiridos por um museu público poderá ser muito valorizado em dez anos, quando então não haverá mais recursos para que ele integre uma coleção que não seja privada.

 

 

Bloco 6: “Não temos no Brasil uma história da arte minimamente formada”

Para Luiz Camillo, as decisões que norteiam os rumos do mercado estão nas mãos de muito pouca gente. A mudança dessa situação passa pelo fortalecimento da educação, dos museus e pelo contato com a produção crítica realizada nas últimas décadas sobre os principais movimentos e artistas nacionais, hoje ainda precariamente conhecida.

De acordo com Paulo Sergio, o mercado de arte brasileira amadureceu bem mais do que a maioria das instituições públicas. Há gerações que se formam nas universidades sem ir a um museu. E mesmo professores de arte se formam sem ver uma exposição. Ele, Heitor e Camillo concluem o debate concordando que “a arte brasileira vale mais do que custa”.

 

 

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