Links da quarentena: o fim do mundo segundo Latour

Links da quarentena: o fim do mundo segundo Latour

Toda sexta-feira, a serrote indica uma seleção de links sobre o mundo em tempos de pandemia.

Na edição de hoje: uma conversa sobre pandemia e catástrofe climática com o antropólogo Bruno Latour e um ensaio da jornalista Nikole Hannah-Jones sobre reparações pela escravidão aos norte-americanos negros.

E mais: a nova onda de terríveis imagens de comida nas redes sociais; o segredo do sucesso de líderes mulheres no combate à Covid-19; o que Susan Sontag teria a dizer sobre a forma como lidamos com a doença hoje.

Esta seção é parte da série #IMSquarentena, com ensaios do acervo, colaborações inéditas e indicações de leitura. 

É impossível entender o turbilhão político contemporâneo sem levar em conta o colapso ambiental, defende o antropólogo Bruno Latour em seu livro mais recente, Onde aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno. Lançado em 2017 na França e traduzido agora no Brasil pela Bazar do Tempo, o ensaio interpreta a ascensão da nova extrema-direita como sinal de que, apesar de negarem publicamente as mudanças climáticas, as elites entenderam a gravidade da catástrofe que se aproxima. E decidiram acelerar a exploração dos recursos da Terra, custe o que custar, antes que não haja mais nada para explorar. Nesta sexta, dia 27, às 16h, Latour participa de um debate sobre o livro e sobre a pandemia no canal do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ, com a pesquisadora Alyne Costa, autora do posfácio à edição brasileira.

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Em 2019, a jornalista Nikole Hannah-Jones ajudou a virar o debate sobre racismo nos EUA com o Projeto 1619, iniciativa do New York Times sobre o impacto da escravidão na sociedade americana. Por seu ensaio para o projeto – que a serrote traduziu – ela recebeu o prêmio Pulitzer. Nesta semana, na esteira dos protestos antirracistas que tomaram os EUA e o mundo, Hannah-Jones publicou outro ensaio de fôlego, que ela define como uma continuação do Projeto 1619. Dessa vez o foco é a necessidade de reparação para a população negra do país: “Reparações são uma obrigação social num país onde a Constituição sancionou a escravidão, o Congresso aprovou leis que a protegiam, e o governo federal promoveu, implementou e acobertou a segregação racial e a discriminação legal contra norte-americanos negros até meio século atrás”.

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Em Doença como metáfora, Susan Sontag explorava as ressonâncias culturais de estigmas motivados pela tuberculose e pelo câncer, que ela então enfrentava. Publicado em 1978 – e complementado 11 anos depois com Aids e suas metáforas – o ensaio tem ressonâncias na crise da Covid-19, como argumenta Rachel Fraser em “Doença como fantasia”. “O fundamental para entender as fantasias em torno do câncer e da tuberculose é que nenhuma das duas foi nem nunca será uma experiência coletiva”, escreve a professora de filosofia de Oxford na The Point. “A pandemia é comunitária. As fantasias que ela suscita não são, portanto, pessoais, da ordem da suscetibilidade da personalidade, mas mundiais e históricas e, com frequência, abertamente políticas”. Ao analisar as apropriações do corona por todo o espectro político, Fraser especula se as imagens suscitadas pela crise sanitária estariam menos próximas da metáfora do que “dos prazeres de uma pornografia do apocalipse”.

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Um dos efeitos danosos da pandemia foi potencializar uma nova onda de imagens de comida no instagram, defende Tom Whyman na Prospect. Não se trata de qualquer comida, mas da comida feia, terrível, medíocre. Ninguém jamais supera expor-se desta forma, argumenta o divertidíssimo texto, das incontáveis imagens de receitas que não deram muito certo às horrendas imagens da comida vegana – saudável, porém muito feia. “Devemos reconhecer que, quando cai o véu das mídias sociais, somos parte de uma mesma humanidade: independentemente de nosso isolamento, somos potenciais companheiros de sofrimento na arte de superexposição”, escreve Whyman.

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A Ms., revista feminista fundada por Gloria Steinem em 1971, está cobrindo a crise da Covid-19 “no impacto sobre as mulheres e suas famílias”, enfoque nem sempre privilegiado pela mídia tradicional. Numa breve enquete, a publicação procura entender porque três das melhores performances no combate à pandemia deram-se em países liderados por mulheres. São quatro pontos em comum nas políticas de Angela Merkel (Alemanha), Jacinda Ardem (Nova Zelândia) e Erna Solberg (Noruega): comunicação direta, planejamento claro e implementado, colaboração com a sociedade civil e transparência.

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