O Animal Político na web

O Animal Político na web

O Animal Político na web

por BEATRIZ SARLO
ilustração de VERIDIANA SCARPELLI

Tardes inteiras no Twitter e no Facebook. Nunca encontrei nenhuma informação significativa que não tivesse encontrado nos jornais. Sei que essa afirmação é irritante e provavelmente injusta com algum caso que ainda não descobri. Encontrei, sim, toneladas de opiniões bem e mal fundamentadas, insultantes ou esnobes, zombeteiras ou irônicas, sempre intensamente subjetivas. Uma explosão de romantismo pós-moderno.

Políticos que não sabem nada “disso”, exceto que têm que estar ali por meio de jovens ghost-writers; políticos que cultivam o estilo menino de sacristia, bom rapaz, transparência total; políticas que enumeram amorosamente os presentes que receberam no dia do aniversário; políticos que comunicam onde estão neste exato instante, desmentindo o caráter não localizável das mensagens da rede, e confirmam sua presença no bairro, na estrada ou na sociedade de fomento que visitam. Ministros e funcionários que insultam quem os contradiz no Twitter. Gente que sabe tudo sobre a Web 2.0, mas muito pouco sobre política. Jornalistas que, atraídos pela febre dos últimos meses, conseguem uma segunda notoriedade, apresentando no Twitter um perfil de militante muito diferente das notas que assinam no papel (perfil que, em muitos casos, poderia prejudicar a credibilidade dessas notas, porque suas intervenções na rede são mais inflamadas e arbitrárias do que se pratica no formato jornalístico clássico). Intelectuais fanáticos que promovem suas ideias e suas conferências, suas viagens e seus cursos, no furacão de um populismo juvenilista em que alunos aprendem sobre novas tecnologias e professores celebram sua própria conversão em trambolhos inúteis; dândis entre 30 e 40 anos que ensaiam suas ironias; apresentadores de rádio e televisão que se manifestam como se estivessem no café; empresários ocasionais desse teatro duvidosamente participativo; mulheres que ensinam os tolos a postar mensagens. Prosa de batalha, um ronronar de loquacidade hipercoloquial, breve como um dístico ou como a piada sucinta de um espetáculo de stand-up.

Tudo é gratuito, em vários sentidos: no econômico e, se o que se escolhe é o anonimato, no de responsabilidade intelectual e moral. Claro, é preciso ter um celular, um netbook ou um simples computador de mesa, mas esses objetos são quase universais na classe média. Superado esse umbral tecnológico que tem seu preço, o Facebook e o Twitter são gratuitos como a rede, na qual todo pagamento é combatido como uma censura às liberdades culturais. Na rede, se pratica o anarquismo econômico.

 

Encadeamento

O encadeamento é o princípio construtivo de uma sintaxe que vincula plataformas. Sem esforço, tudo o que aparece no Facebook pode aparecer no Twitter e vice-versa; tudo o que se publica em um blog pode ser incorporado por link a qualquer um de seus entornos; toda página da internet e todo artigo publicado por jornais e revistas podem ser citados.

O caráter encadeado da navegação na internet potencializa a repetição das mensagens; é um sonho interrompido e supersaturado. Os retweets são uma honra: o símbolo do sucesso.
Quando se conhece um pouco o Twitter, entra-se na lógica do encadeamento. Como se os tweets tivessem valores equivalentes, há blocos temporais, temáticos e blocos de arquivo. Não importam os reenvios e as reiterações, porque nenhum navegante visita todos os pontos encadeados. O que o encadeamento assegura é que alguns desses pontos têm mais possibilidade de ser visitados exatamente porque estão conectados em rede. Esse efeito de proliferação estrutural tem sido chamado de sinergia. A qualidade dos pontos conectados não é idêntica: um perfil real no Twitter pode remeter a uma página cheia de notícias duvidosas que os jornais impressos se absteriam de publicar, não só porque essas notícias contradizem suas linhas editoriais, mas porque não foram verificadas, provêm do boato, do capricho ou das campanhas midiáticas.

O princípio do encadeamento estabelece uma espécie de equivalência: o perfil de alguém real certifica o blog de onde se “linka” a uma notícia falsa, a um boato ou ao Facebook de propaganda de um funcionário. A presença na web não obedece às leis de produção da informação nem de difusão da opinião comuns há dez anos. É outra lógica, mais semelhante à dinâmica do boato. Um jornalista, um funcionário, um político, um indivíduo que conseguiu que seu nome seja reconhecido diz algo. Tirou isso do rádio, do que escutou na calçada, do que lhe contou um amigo, do que lhe convém que se saiba, e o converte em fato. A partir desse momento, deixa-se de discutir seu caráter factual, as intenções que estão por trás do dado comunicado ou as consequências que se quer provocar com o que supostamente ocorreu. As coisas se dão como certas, como acontece com o boato, que é expansivo e não leva em conta o valor de verdade daquilo que se difunde. O encadeamento potencializa essa lógica do boato ao multiplicar a mesma coisa em vários lugares que parecem ser diferentes. Produz um circuito que é mais autorizado e verossímil que qualquer outro porque confirma a ideia de que os meios estabelecidos (e anteriores à web) invariavelmente escondem alguma coisa. O boato desmascara esses ocultamentos e se adapta bem às teorias conspiratórias, que são seu modelo interpretativo predileto.

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