Carta do editor
As perversas tecnologias da desigualdade brasileira, a brutalidade colonial e a tragédia climática têm desdobramentos e ressonâncias surpreendentes nos vencedores da sétima edição do Concurso de Ensaísmo serrote. Vacinados do imediatismo pela originalidade formal, os ensaios premiados são testemunhas surpreendentes de seu tempo. ¶ Em “Políticas espaciais do afeto”, Tetê cruza arquitetura e vivência para implodir os muros – uns concretos, outros não – historicamente erguidos entre classes sociais, ideias e sexualidades. ¶ A partir da trajetória de Tibira, a pessoa tupinambá executada por invasores no Maranhão do século 17, Camila de Caux faz de “Vestígios da natureza” uma reflexão contemporânea sobre a plasticidade de gêneros e identidades e as violências a que foram e são submetidos. ¶ A Porto Alegre devastada pelas enchentes de 2024 se insinua de formas pouco óbvias em “Memorabília”, ensaio pessoal em que Maria Isabela Moraes se serve das convenções do diário na discussão de formas de pertencimento, solidariedade e solidão em face de eventos extremos. ¶ Um longo e complexo diálogo entre James Baldwin e a poeta Nikki Giovanni encerra esta edição não apenas na celebração do centenário do autor de Da próxima vez, o fogo mas como lembrete, sempre útil, de que mais divergência e menos celebração fazem o debate público que assim merece ser chamado.
Paulo Roberto Pires