Links da quarentena: Achille Mbembe e o vírus do racismo

Links da quarentena: Achille Mbembe e o vírus do racismo

Toda sexta-feira, a serrote indica uma seleção de links sobre o mundo em tempos de pandemia.

Na edição de hoje: o filósofo Achille Mbembe reflete sobre a onda de protestos antirracistas, o jurista Silvio Almeida comenta o racismo nos EUA e no Brasil, e a filósofa Deborah Danowski discute a ligação entre pandemia e colapso ambiental 

E mais: os livros que tentam refletir a quente sobre a crise detonada pelo coronavírus e o simpósio que reuniu intelectuais brasileiros para debater os rumos da política nacional em meio à ascensão da extrema-direita

Esta seção é parte da série #IMSquarentena, com ensaios do acervo, colaborações inéditas e indicações de leitura. 

O assassinato de George Floyd pela polícia é mais uma prova de que os Estados Unidos são, desde sua origem, uma “democracia negrófaga”, acusa o filósofo camaronês Achille Mbembe neste artigo. Em sociedades desse tipo, ele diz, o racismo sempre presente opera com a voracidade de um “vírus”, por meio da “predação dos corpos, dos nervos e dos músculos” das pessoas negras. “O racismo consiste em fazer de toda tragédia que ele provoca um acidente, inscrito constantemente na vida do sujeito que sofre o racismo como uma série infinita de acidentes que não cessam de se repetir”, escreve o autor de Necropolítica: “Na realidade, esses ‘acidentes’ fazem desde sempre parte da estrutura”. Para se opor a isso, defende Mbembe, é imperativo exigir reparação e restituição, “mesmo sabendo que tudo que foi perdido é fundamentalmente irreparável.”

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Dos Estados Unidos, onde está lecionando na Universidade de Duke, o jurista Silvio Almeida compara nesta entrevista a situação americana e a brasileira. O supremacismo branco, evidente no governo Trump, é mais velado no Brasil, mas nem por isso menos perverso. O racismo aqui molda as instituições, do sistema judiciário à polícia, da política à imprensa: “Se a sociedade é estruturalmente racista, não é o funcionamento irregular dela que gera racismo: é a regularidade do funcionamento”, diz Almeida. As novas formas de controle social em resposta à pandemia podem “dar uma nova cara, mais brutal inclusive, para o racismo”, alerta. Mas as redes de solidariedade que se fortaleceram nesse período também apontam caminhos: “Qualquer pauta antirracista e a favor da democracia vai ter que estar conectada com uma agenda pública e uma agenda de transformação econômica [e] vai ter que englobar também a questão ambiental”.

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É da amplitude dessa “questão ambiental” que trata a filósofa Deborah Danowski nesta entrevista em que aponta a ligação entre a rápida disseminação global do coronavírus e o colapso climático vivido pelo planeta. Não por acaso, aqueles que desdenham da pandemia são os mesmos que já negavam a gravidade da crise ambiental: “os novos políticos de direita, os novos nacionalismos, do America First ao ‘Brasil acima de tudo’”, e seus seguidores. O negacionismo serve para encobrir o fato de que as elites já entenderam que o colapso chegou, diz Danowski, e por isso nem fingem mais ser possível manter políticas públicas que atendam toda a população: “A consciência de que estamos perdendo o mundo modificou a geopolítica global. Não tem mais mundo pra todo mundo, simples assim”.

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A pandemia, suas causas, consequências e desafios são o novo filão do mercado editorial. Escrito e publicado com agilidade para discutir um tema do momento, o chamado instant book é uma tradição americana que nunca deu muito certo no Brasil – antes, é claro, de sermos soterrados por informações fora de contexto e contínua crise política, mantidos em casa pelo distanciamento social e com opções limitadas pelo fechamento de livrarias. Com preços baixos ou distribuição gratuita, os ebooks tentam traduzir para o leitor não-especialista pontos de vista que, por sua complexidade ou posicionamento político, rareiam nos noticiários. Para cumprir a promessa de unir “crítica radical, reflexão no calor do momento e a reinvenção do comunismo”, a Pandemia Capital, da Boitempo, reúne nomes como Boaventura Souza Santos, Angela Davis, Naomia Klein, Christian Dunker e Slavoj Zizek em abordagens da sociologia, da psicanálise e do feminismo. Para além da quarentena: reflexões sobre crise e pandemia, coletânea organizada por Ana LoleInez Stampa e Rodrigo Lima Ribeiro Gomes para a Mórula Editorial, tem pegada mais acadêmica com 39 autores brasileiros e estrangeiros analisando saúde pública, política e economia – o título pode ser baixado de graça. No catálogo da Todavia, Ponto-final– A guerra de Bolsonaro contra a democracia, de Marcos Nobre, inaugurou a Coleção 2020, que publicará nas próximas semanas ensaios de Laura Carvalho, Aparecida Vilaça, Juliana Borges e Conrado Hübner.

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Foram mais de 24 horas de discussões sobre variados aspectos da alarmante conjuntura política brasileira. O 2o Simpósio Direitas Brasileiras, promovido pelo Centro de Estudos Marxistas da Unicamp, teve como tema geral “Bolsonaro no poder”, partindo do governo eleito em 2018 para examinar, dentre outros temas,  as relações entre política e religião, o papel das redes sociais na ascensão da extrema direita, a aproximação com o fascismo, o lugar do trabalhador, o racismo e os cenários possíveis para 2022.  Os debates, que aconteceram nos primeiros dez dias de junho e envolveram intelectuais como Angela Alonso, Renato Lessa, Esther Solano, Paulo Arantes, Camila Rocha e Rodrigo Nunes, estão disponíveis na íntegra no canal do Youtube do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da universidade.

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