serrote #1, março 2009
P de Passe, TOSTÃO
ALFABETO serrote
Quando jogava, gostava mais de dar um belo e eficiente passe, que resultasse em gol, que envolver o adversário com um lúdico drible ou mesmo fazer um gol.
Além de ser fundamental para se chegar ao gol, o passe correto, por manter a posse de bola, também é importante para a defesa, pois evita o ataque do adversário.
O passe, cada vez mais, é o fator mais determinante no estilo do futebol atual e moderno. Progressivamente, aumentou o número de passes e diminuiu o de dribles. Com isso, o futebol se tornou mais técnico, mais previsível e menos fantasioso.
Para se manter a posse de bola, diminuiu a quantidade de passes mais difíceis, mais longos, para frente, de curva, e aumentou a de passes para o lado, curtos e de chapa (com a parte medial e interna do pé).
Os passes podem ser também rasteiros e pelo alto, previsíveis e surpreendentes. Há ainda os passes de cabeça, de peito, de costas, com as nádegas, de calcanhar e com outras partes do corpo. Ronaldinho Gaúcho faz isso com frequência.
O passe de curva, com a parte superior e interna do pé ou com os dedos laterais (três dedos, de rosca, trivela), é um ótimo recurso técnico para fazer a bola contornar o corpo do adversário e chegar ao companheiro que está atrás do marcador. É um passe bonito e inventivo. “A linha reta não sonha” (Oscar Niemeyer). Os grandes jogadores de meio-campo sempre fizeram isso muito bem.
Didi foi o grande mestre do passe de curva, com os dedos laterais (trivela). Para executar o passe, Didi contornava o corpo e virava o pé. Mesmo seus passes mais simples eram de grande beleza e eficiência. Da mesma forma, ele batia as faltas. A bola subia e, de repente, caía dentro do gol, como uma folha seca. Daí, o nome de Folha Seca.
Gerson foi o mestre do passe preciso, tecnicamente correto. A bola viajava pelo alto uns 30 a 40 metros e chegava aos pés ou ao peito do companheiro, na posição correta para ele dominar e chutar. Gerson raramente passava a bola de curva. Batia na bola com a parte da frente e o dorso do pé. Os seus passes longos e pelo alto para gols de Pelé e Jair-zinho, na Copa de 1970, são inesquecíveis.
Garrincha não foi somente o maior dribla-dor e o mais lúdico jogador brasileiro de todos os tempos. Garrincha era também ótimo passador. Ele driblava e, em uma fração de segundos, olhava para o companheiro entre os zagueiros e colocava a bola nos pés ou no peito do atacante, para fazer o gol. Garrincha não cruzava. Ele passava a bola.
Marcelinho Carioca é um raro jogador que chuta e passa bem com a parte superior e interna do pé e com os dedos laterais. A bola vai forte, de curva, e muda várias vezes de direção.
Rivellino, além de ter um passe preciso e surpreendente, gostava de olhar para um lado e tocar para o outro. Ronaldinho faz isso também com frequência. Esse passe deixa o adversário sem ação e às vezes pega até o companheiro desprevenido.
Dependendo da posição e da função do jogador, o passe necessita ser diferente. Havia no passado grandes centro-médios, clássicos, como Danilo Alvim, Dino Sani, Zito, Zé Carlos do Cruzeiro, que recebiam a bola dos zagueiros e dos laterais e, com um passe rápido, preciso e muitas vezes longo, colocavam a bola do outro lado, nos pés do companheiro. Esses centro-médios foram substituídos pelos volantes, que quase só marcam. Isso tem mudado. Começam a aparecer grandes talentos nessa posição, com passes excepcionais, longos e curtos. Hoje, o melhor de todos é Pirlo, do Milan e da seleção italiana.
Ronaldinho Gaúcho é o mestre atual do passe surpreendente. Em uma fração de segundos, antes de a bola chegar a seus pés, ele mapeia os movimentos dos companheiros e adversários, calcula a velocidade da bola e de todos os que estão à sua volta, e coloca a bola com precisão entre os zagueiros, em minúsculos espaços, para o companheiro finalizar.
Essa capacidade de alguns atletas de ver, saber e calcular tudo o que está a sua volta, como se fossem guiados por um megacomputador, é chamada pelos especialistas de inteligência cinestésica.
Os psicanalistas falam que é um saber inconsciente, intuitivo, que antecede ao raciocínio lógico. Ele sabe, mas não sabe que sabe. Ele faz e depois pensa no que fez.
Outros acham que é uma decisão medular, reflexa, que não passa pela consciência e pelo cérebro, como acontece com os animais.
Alguns atletas, como era nítido em Pelé, têm um campo visual muito maior que outros, em consequência de privilegiada anatomia do globo ocular. Pelé tem os olhos grandes e bem abertos. Parecia enxergar até o que estava em suas costas. Outros atletas, que têm olhos mais profundos e envolvidos por maior estrutura óssea, têm uma visão periférica muito menor. Enxergam quase somente o que está a sua frente.
Os oftalmologistas falam que o campo visual pode ser ampliado em qualquer pessoa com exercícios específicos. No futuro, os oftalmologistas farão parte também das comissões técnicas.
Os jogadores que dão muitos passes curtos e para os lados são os que erram menos. Por outro lado, são os que dão menos passes decisivos. O ideal para uma equipe é ter os dois tipos de passe, o mais fácil e mais curto, para manter a posse de bola, e o mais difícil e mais longo, para surpreender o adversário e tentar colocar o companheiro em condições de fazer o gol.
O grande passe não é somente o que coloca a bola com precisão, no lugar certo e esperado. Mais eficiente ainda é tentar surpreender e pôr a bola onde menos se espera.
Assim como o gol confirma a eficiência de um time, e o drible simboliza a individualidade e a improvisação, o passe representa o futebol coletivo, a solidariedade, a organização e a união de uma equipe.
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